(encaixe aqui um barulho de máquina de escrever)... Camilla, nascida e residente de São Paulo, capital, há quase
28 anos.
Já fiquei presa em enchente, nunca fui assaltada, já trabalhei em um
lugar que levava mais de duas horas para chegar, já tomei multa por trafegar na
faixa de ônibus (tenho uma ótima desculpa e testemunha para isso, não sou do
tipo folgada-espertona), um ônibus já bateu no meu carro, já perdi compromissos
por demorar muito mais que o previsto para chegar, já fui a pé a lugares muito
distantes por causa do trânsito, já dormi no metrô e perdi a estação que tinha
que descer, já tropecei e rolei a escada de uma estação de metrô, já precisei
assistir meu programa favorito no GPS do carro porque tinha acabado a luz em
casa, com muita dor no coração já vi uma pessoa fazendo cocô na rua por não ter
acesso a um banheiro (o mínimo de dignidade que um ser humano deveria ter), já
vi uma pessoa entrar no trem mancando, sentar no banco preferencial e sair
andando normalmente depois, já vi briga de trânsito, brigas de casais no
transporte público e já ouvi inúmeras histórias que nunca saberei o final
porque a pessoa que contava para uma outra (que não era eu) desceu em alguma
estação ou ponto antes do meu!

Morar em São Paulo é como ter um relacionamento conturbado,
cheio de brigas por ciúmes e de reconciliações que transbordam em amor
enlouquecido! Te falta água, te falta luz, te falta paz, mas te sobra hot-dog a
qualquer hora da madrugada, te sobram shows a preços acessíveis de boas bandas
em todos os finais de semana, te sobram opções de lugares para conhecer, te
sobram restaurantes bacanas, te sobram pessoas a conhecer, profunda ou
superficialmente.
Do seu vizinho, você conhece o cocô do cachorro, mas
atravessa a cidade para encontrar com amigos que trabalham em um mesmo lugar
mas moram espalhados pelos 4 cantos da capital paulista. Perde longos minutos
escrevendo um e-mail para a pessoa que trabalha a duas salas depois da sua ao
invés de ter um contato pessoal, porque todo paulistano já nasceu desconfiado e
precisa formalizar suas palavras, seja por exigência da empresa seja por cisma
pessoal. Você logo percebe quando um turista é paulistano, pois ele pede para
um morador local tirar uma foto sua com a esposa em um marco da cidade do
interior e, enquanto ele abraça a mulher, já fica pronto para correr caso o
calmo interiorano resolva fugir com o celular. Menos pelo valor afetivo com as
fotos da última viagem e mais por ter de ficar alguns dias sem consultar o
outlook e/ou redes sociais.
Paulistano vive na correria não por escolha própria, mas
porque a cidade exige isso. Se você não corre, perde o ônibus, perde o farol
aberto, perde a vaga no estacionamento lotado, perde a hora do encontro que
pode ser com o homem da sua vida! O metrô não te espera com as portas abertas
para entrar e menos ainda para sair, é preciso correr! O trânsito é a única
coisa parada porque os carros ainda não voam. Talvez paulistano devesse nascer
com asas – melhor não!

Mas nem só de pão-listano vive o
homem São Paulo (por
favor, não pare de ler o texto depois dessa piada. Sim, piada!). A cidade nos
brinda com a diversidade todos os dias! Mulheres de véu passam em uma rua,
homens com quipá atravessam outra, todos os sotaques se encontram em uma
conversa em um bar na esquina (não sei porque, mas acreditamos que bar bom,
fica em alguma esquina), tradições de outros países dividem uma sala de
escritório, um micro-ônibus comporta 21 pessoas e milhares de trajetórias
diferentes até chegar à capital paulista.
E São Paulo está preparado para receber todo o tipo de
gente, todos os paladares de outras culturas, te prepara um bairro – como a
Liberdade – para que você se sinta em casa, te abraça e te xinga como todo bom
namorado bipolar. Te dá chuva, sol, arco-íris, frio, calor, folhas caem e tudo
isso em 24 horas! São Paulo é cheia das surpresas, seja um cocô de pombo, seja
um ônibus vazio! Surpresa é surpresa!
O aniversariante é o Rio, mas como não vivo lá, resolvi
escrever sobre o que vivo aqui. E que troquei durante um ano, mas voltei
correndo depois de não conseguir sair em uma noite de natal porque nem o posto
de gasolina estava aberto. Obrigada pelos abraços de hoje, como os dois ônibus
vazios para chegar até o serviço e por esperar eu retornar do almoço para mandar a chuva!
Nota da Autora: não citamos política nem aprofundamos ao
tema “falta de água” porque eu não quis!